segunda-feira, 29 de outubro de 2007

As cucas e o monopólio

Rodámos todas as esplanadas da cidade…eu menos que eles, que estavam no Hotel Mombaka. São 6: a esplanada encarnada, a amarela, a que fica perto do mar na praia Morena, a que fica em frente da amarela, a do largo e a do Tan-Tan (que é a única que tem o nome visível)…todas com uma característica comum: a existência de pelo menos duas televisões e um projector sempre a transmitir jogos de futebol…bem, houve um dia em que na esplanada amarela estavam a transmitir uma novela – grande paixão existe aqui pelas novelas. E não é uma questão de género…Aqui todos vêm novelas - embora tenha a sensação de ter sido uma situação de excepção. Talvez o sinal da parabólica não estivesse a captar muito bem os canais desportivos.

Nestas incursões às esplanadas (aos fins de semana) e durante o tempo em que andávamos todos à procura de casas (o Nuno e a Susana e eu) rapidamente percebemos que entraríamos numa espécie de marasmo intelectual e não nos envolvêssemos em actividades intelectualmente estimulantes…e porque não com impactos sociais relevantes?

Juntando a dificuldade em encontrar alojamento e dada esta nossa necessidade de produção, decidimos que quando regressassem em Janeiro o Nuno e a Susana trariam alguns jogos (que não dependessem de energia para funcionar)…o UNO, o Risco, Scrable e o monopólio. Já nos tínhamos lembrado do monopólio a propósito das notas de kwanzas (também existem algumas moedas embora não circulem muito e não sejam aceites no mercado informal), embora estas sejam uma versão XXL. Desta listagem que começámos a fazer até à ideia de construir o Monopólio de Benguela foram duas cucas! Pensámos inclusivamente em vender a ideia ao Governador em troca de casas para todosJ Quem sabe ele não reconheceria a importância e utilidade do jogo..e facilitasse esta tarefa tão….difícil de encontrar e negociar uma casa.


Começámos logo a definir tarefas:

- descobrir os nomes das ruas desta cidade. As coisas aqui ficam sempre perto de qualquer coisa, antes da vala, depois da vala, na rotuda do aeroporto (que descobri ser do Liceu) na rotunda da sede do partido, na rotunda da loja do chinês…. …descobrir os nomes seria uma tarefa que nos ocuparia algum tempo (não conheci ninguém ainda que me soubesse dizer o nome da rua onde moro actualmente…a morada oficial é…a rua não asfaltada que fica na continuação do Banco Totta…ainda bem que só existe uma sucursal).

- definir o valor das ruas…peace of cake! Aqui as ruas que valem mais são as que correspondem às moradas das pessoas importantes da província ou de locais importantes como a sede do partido ou o palácio do Governador. (Nota: estas ruas das pessoas importantes definem também as prioridades nos cruzamentos…a regra da direita só funciona se o condutor não vier da rua ou do governador ou de algum chefe do partido. Ora adivinhem lá o que existe na rua de onde venho? Conduzir aqui é um desafio. Normalmente e na dúvida, o melhor é…abrandar. Curioso é o conselho que me foi dado pelo Augusto, o Director Local da CCF…ele aconselhou-me a “avançar sem medo” nestas situações de dúvida quanto às prioridades. Eu prefiro seguir os meus instintos medrosos e continuo a abrandar).

- depois, desenhar as notas de kz…e claro, os dólares. Moeda fundamental na economia local. E criar regras de utilização para ambas.

- Temos também de definir as regras…pensámos na prisão…mas criaríamos também a possibilidade de “negociar” as idas para a cadeia (fidelizando-nos ao sistema). É para estas coisas (mas não só, claro) que o dólar é importante!

Lembrei-me que não falámos nas taxas de câmbio…deve depender da zona. Na rua (os quinguilas) e nos bancos a taxa é mais ou menos fixa, oscilando entre os 74 e os 79kz…nas lojas ainda não percebi…são muitas as variáveis: a hora do dia, a loja onde se vai e o dia da semana…

E cá estou à espera deles para nos dedicarmos a estas tarefas. Lembrei-me entretanto de um outro pormenor que não tenho a certeza de ter sido discutido….não é tão importante mas é relevante para o jogo. Há notas de kz novíssimas, cheias de cor…mas há outras que…imaginamos a quantidade de parasitas que devem ter. São as notas que andam por todo o lado…literalmente por todo o lado. São também as de valor mais baixo…notas de 5, 10 e 50 kz. Estas notas também têm de existir no monopólio mas não me lembro que regra criámos….ou se criámos efectivamente. Mas ter estas notas às vezes é um obstáculo para o negócio…nas lojas e restaurantes torce-se o nariz …

Em Janeiro...

A procura de casa...

Tenho consciência de que ter conseguido encontrar uma casa e mudar-me um mês depois de ter chegado cá foi um verdadeiro acto heróico! Resultado de muita pressão, persistência e insistência. O logístico da organização contactou umas figuras importantes que têm como função mediar a relação entre a procura e a oferta - os intermediários. Houve dois intermediários que encontraram umas quantas casas e lá fui – eu e o Teixeira- visitá-las e conversar com os proprietários. Fiquei verde com os preços das rendas (e eu que achava que a minha era muito alta)….Oscilavam entre os 2000 e os 4000 USD mensais, claro (sempre negociáveis embora a negociação nunca alterasse significativamente os montantes). Com a agravante de que todos exigiam o pagamento de um ano de renda adiantado (bom…alguns eram flexíveis e facilitavam…pediam só o pagamento correspondente a 6 meses de renda). A loucura…O engraçado era que os nossos intermediários eram também intermediários de outras pessoas o que justificava a necessidade da existência de uma outra regra (informal) …quem pagar primeiro fica com a casa! Ora quem trabalha para organizações tem sempre várias outras regras formais de procedimentos que devem ser cumpridas…verificar a legalidade da propriedade da casa (aqui é um problema sério), assinar o contrato (implicando o debate aprofundado de cada clausula), efectuar a transferência bancária, verificar o depósito…O tempo que se perde com estes procedimentos pode implicar a perda da casa….Às vezes desanimámos…Ainda por cima sempre com a sensação de que não há nada que nos possa proteger….não há lei, as regras são as nossas…a verdadeira sobrevivência. Isto, para quem não está habituado (será que alguém se habitua?) é um processo muito desgastante…Na verdade, tenho a sensação de que mesmo para quem já sabe como as coisas funcionam, o desgaste está lá sempre. O que muda é o depois….

Encontrei um apartamento muito simpático, reabilitado, mobilado, com uma renda ligeiramente mais baixa do que os valores de mercado praticados…com alguns problemas de energia (o gerador ao qual estou ligada funciona raramente…ainda não percebi porquê) e de água mas dada a dificuldade e o desgaste deste processo acabei por decidir ficar com este e não procurar mais….Bom, verdade seja dita que tinha encontrado uma outra casa…a casa verde…fantástica, linda, também mobilada . Muito engraçada mas a falta de entendimento entre o proprietário e o intermediário -enquanto um dizia que a casa estava sim senhora para alugar o outro dizia que não estava nada- desisti.… verdade é também que os intermediários continuavam a mostrar a casa verde a quem a quisesse ver…


sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Há dias assim...

Há dias assim…em que nada funciona. A Internet não liga, os carros avariam, a chuva provoca poças de 50cm de profundidade e muita lama em todo o lado e não dá para voltar a pé para casa…dias em que ninguém atende os telefones, o gerador não funciona, a energia da rede também não, as pessoas ficam doentes e tudo isto num dia só. Nem um café expresso…

O que fazemos? Resignamo-nos, respiramos fundo e acreditamos que amanhã será diferente.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Pensamento 1_ A exclusão social em Angola (memórias de uma experiência)

A experiência ao serviço de um projecto desenvolvido por uma ONG Portuguesa, em parceria com a Administração da Província do Huambo e do Município de Ucuma (Município onde o projecto foi desenvolvido), com o grande objectivo de melhorar a qualidade do ensino no Município através da formação pedagógica de professores e de formação ao nível da gestão escolar dos directores de escolas do I nível e dos responsáveis municipais pela área da educação foi o mote para esta reflexão que partilho. Hoje estou mais resolvida mas a gestão das emoções associadas às dificuldades de implementação no terreno geraram…muitas angústias.

Várias questões se foram colocando ao longo do projecto….questões relacionadas com as opções metodológicas ao nível da formação pedagógica dos professores, dos directores e dos responsáveis locais, mas também questões relacionadas com o papel dos parceiros locais no projecto e dos potenciais benefícios que este mesmo projecto poderia trazer às comunidades locais.

A compreensão da comunidade, dos seus interesses, das suas vontades das suas leituras sobre a realidade acabaram por me fazer cair num grande vazio conceptual. Defendendo, por deformação profissional, a participação e envolvimento das comunidades nos seus próprios processos de mudança, deparei-me com um estrutura social bastante hierarquizada, com um esquema de controlo político muito grande, muitas vezes impeditivo de processos de tomada de consciências das comunidades do seu papel no seu próprio desenvolvimento.

A participação, as questões de género e de igualdade no acesso, a educação para todos são ideias que surgem já no discurso (político partidário ou não) dos responsáveis e, consequentemente, no discurso das pessoas, embora na prática ainda não tenham sido criadas as condições para a sua operacionalização.

Veja-se o caso da OMA (Organização das Mulheres Angolanas). Sendo uma ONG, tem como missão principal promover a integração e o desenvolvimento das mulheres angolanas, todas, sem discriminação de religião ou cor….mas a OMA pertence ao partido do governo (MPLA) e, coincidentemente, uma das condições para a pertença à organização é a filiação partidária.

A presidente da OMA no Ucuma era um homem….porquê? Por escolha das próprias, foi a resposta dada à curiosidade de quem é “de fora e por isso não percebe as nossas escolhas”.

Para além da OMA, uma outra dificuldade que senti foi a de perceber porque é que os critérios de confiança partidária se sobrepunham sempre a critérios de competência, muitas vezes associados à garantia de um bom desempenho.

Ao mesmo tempo, duplicam-se as acções de formação desenvolvidas tanto por ONG´s locais ou internacionais ou mesmo pelo Ministério da Educação, reconhecidas como importantes por todos. “Aprender é bom…ajuda a lutar contra o obscurantismo do homem e a construir o amanhã”.

A educação escolar e a formação profissional são reconhecidas pelo Governo Angolano como fundamentais na reconstrução nacional e na união de todos os angolanos, mas também como factor de reconstrução e reabilitação do homem. Esta ideia é tão reconhecida pelo poder político como pelo poder tradicional.

Um outro aspecto, que aprendi no terreno, sem nunca me ter despertado grande curiosidade, tem que ver com a herança colonial ao nível da educação. De repente, ter sido aluno na “escola colonial” é uma honra apenas de alguns – dos mais velhos – que se esforçam por transmitir aquilo que aprenderam mesmo que os conteúdos façam pouco sentido. “Muito do que essas populações súbditas aprenderam nas escolas e universidades do Governante colonial era mais discurso político e social do que ciência aplicada e competência técnica[1], sendo por isso peritos na arte do “protocolo” e das hierarquias governativas. “Um dos piores legados do colonialismo foi a explosão de má vontade contra os antigos senhores e os seus representantes, não tanto ao nível dos governos, onde os negócios e dinheiros são movimentados, como ao das relações entre as pessoas”[2], alimentando desconfianças entre as pessoas e falsas ideias sobre “nacionalismo” e “cidadania”.

Independentemente disto, é também consensual o reconhecimento de que aqueles que tiveram a oportunidade de estudar nas escolas coloniais falam e escrevem melhor do que “os outros”, conhecem melhor a geografia de Angola e do mundo. Ao nível da comunidade onde vivi, o ter sido estudante da “escola colonial” era um factor de aproximação a nós (estrangeiros) mas de afastamento dos outros (comunidade).

Um outro aspecto, este reconhecido e instituído a nível nacional[3], prendia-se com os esquemas de corrupção que se fazem sentir até nas escolas no mato. A justificação para estas questões prendem-se, segundo os responsáveis municipais, com o facto de os “salários virem sempre atrasados”…mas mesmo quando os salários começaram a vir a horas, os esquemas mantiveram-se, e nessa altura a razão foram os baixos salários….mas mesmo quando um professor é nomeado ou director de uma escola ou até mesmo nomeado para um cargo de poder maior, estes esquemas mantêm-se…Nesta altura, a família (muito grande) é a justificação.

Senti, no limite, que o projecto não fazia sentido nenhum….que estava um passo à frente (ou ao lado) da capacidade das pessoas, das suas necessidades, mas não dos seus interesses. Senti que as pessoas não estavam “treinadas” para dizer o que pensam e que nunca dizem o que pensam sem o consentimento dos “chefes”…e quando não sabem, dizem “ainda não cheguei lá” ou “falam à toa”, a não ser quando a coragem e a conversa mais individual e alguma confiança ganha com alguns estrangeiros lhes permite afirmar que “não nos deixam ser curiosos”.

Senti muitas vezes que apesar do elogio e louvor ao cidadão angolano, a identidade (ou falta dela) era uma questão pouco clara para muitas pessoas (e para mim, inclusive).


Senti que a escola era uma forma de reprodução do sistema que se faz sentir em Angola e não como espaço de dinamização e revitalização do tecido social angolano. Senti também que a escola era um instrumento de controlo que promovia a discriminação e a exclusão daqueles que eram diferentes, para além de não se explorar a questão da identidade pessoal. A escola é o local onde se aprendem coisas que não fazem muito sentido mas…onde se deve ir porque é importante.


A baixa auto-estima, a falta de confiança nas pessoas, a ausência de balizas morais, a falta de fé e de crença num futuro diferente (até mesmo no futuro…a taxa de suicídio na província do Huambo é bastante alta), a falta de espaço (e de estímulo) para a criatividade individual condicionam as opções feitas pelas pessoas, justificando muitas vezes a resignação[4] ao que a vida lhes proporciona e a crença em que o governo (o partido) resolverá todas as dificuldades e problemas.

Falar por isso de exclusão em Angola é falar da situação em que vive a maioria das pessoas.

Exclusão pela dificuldade no acesso à educação.

Exclusão pela precaridade de empregos e falta de perspectivas no futuro.

Exclusão pela pobreza (muitas vezes prolongada).

Exclusão pela fragilidade dos laços sociais, provocada pelo longo conflito armado.

Exclusão pela perda de referências.

Exclusão pelo sentimento de falta de identidade (quem é o angolano?) derivada da grande diversidade étnica.

Exclusão sobretudo pelo não reconhecimento dos direitos de cidadania.

Atrevo-me a afirmar que, ao contrário do que é proposto por Bruto da Costa (1998), a exclusão em Angola não é um processo nem se organiza por níveis, mas um estado. Um indivíduo pode passar para uma situação de ruptura de forma mais ou menos imediata sendo também possível observar o contrário.[5]

A verdade é que a ausência de Estado-Providência e a situação de exclusão do mercado de trabalho em que vive a maioria da população resulta na exploração de estratégias alternativas de sobrevivência, normalmente através de iniciativas informais geradoras de algum rendimento (seja ela comércio ou subornos ou outros esquemas mais criativos). A filiação partidária é, para muitos, uma solução para a situação de exclusão (mesmo que na prática não resolva a questão do emprego e, por isso, da exclusão económica contribui para a aceitação social).

Mas há também um outro fenómeno interessante, apesar de não generalizado. Alguns dos militantes dos partidos da oposição mantêm-se fiéis às suas opções ideológicas. A consequência é o isolamento destes militantes da vida social das comunidades. Várias foram as comunidades FALA e UNITA com quem tive oportunidade de contactar, que viviam isoladas (ou seja, em aldeias na periferia dos grandes centros, tanto da Cidade do Huambo como da Cidade do Ucuma) mas fiéis aos seus “princípios ideológicos”.

A exclusão social em Angola tem, por isso, uma dimensão subjectiva bastante forte. A dimensão politica, condiciona em muito a situação social, económica e cultural dos cidadãos.

Senti, várias vezes, as pessoas como instrumentos ao serviço dos interesses políticos. O controlo, a imposição (e reprodução) do discurso, os entraves ao sucesso relativamente a quem não é da confiança do partido, alimentam uma lógica de servidão e seguidismo inteligível para observadores (ainda que participantes e envolvidos) exteriores.

O conceito de exclusão aplicado à realidade Angolana diverge não no princípio, mas na sua operacionalização. Relaciona-se sobretudo com a falta de direitos dos cidadãos, direitos estes relacionados sobretudo (e em contexto mais rural) com opções e identificações políticas. Caracteriza, por isso, a situação da maior parte da população.

O discurso para o exterior e para os estrangeiros é de união entre todos os angolanos (assente na ideia de inclusão), mas na prática essa união nacional e o “homem novo” que Angola pretende construir assenta mais em ideais contra o colonialismo e a sua lógica discriminatória (agora todos os nascidos em Angola são cidadãos angolanos, sobretudo os de “raça negra”, como vem explicitado nos bilhetes de identidade) acabando no entanto por promover o mesmo tipo de discriminação e exclusão e reprodução da lógica de poder (cor, filiação partidária,…).

Concordo que os principais factores explicativos da pobreza e da exclusão devem ser procurados na sociedade, no modo como a sociedade se encontra organizada e como funciona, no estilo de vida e na cultura dominantes, na estrutura de poder – factores que se traduzem em mecanismos sociais que geram e perpetuam a pobreza e a exclusão” (Costa, A.B, 1998:39), tendo o debate entre o Norte e o Sul de percorrer ainda um longo percurso de debate e análise destes fenómenos. A conclusão é a de que um entendimento global destes fenómenos não passa por uma teoria global que proponha uma solução global, mas por teorias locais que proponham entendimentos locais, soluções locais à luz de um quadro (inevitavelmente) global.

A importação de ideias, conceitos e práticas não se faz sem enganos.

E Angola está a mudar....


[1] LANDES,D.S. (2002) A riqueza e a pobreza das nações. Porque são algumas tão ricas e outras tão pobres. Lisboa. Gradiva (p. 485)

[2] LANDES,D.S. (2002) A riqueza e a pobreza das nações. Porque são algumas tão ricas e outras tão pobres. Lisboa. Gradiva (p. 494)

[3] Em Março de 2005, numa entrevista dada à TPA (Televisão Pública de Angola), o Ministro das Obras Públicas afirmou que a “gasosa” (nome vulgar dado ao suborno) era uma forma de comunicação e de entendimento entre a autoridade e a sociedade civil.

[4] O espírito do “aceita só”, sem perguntas ou comentários.

Ode à Camarada Professora



O Nuno e os alunos do Iuvo....Pedimos-lhes que cantassem uma música e eles cantaram! Não é delicioso? Há uma outra que não consegui adicionar mas que vou tentar...o "atirei o pau ao gato" em que a D. Xica não se assusta mas admira-se com o berro do gato...

Estudar é muito bom!


Turma mista (1ª, 2ª e 3ª classes) na Comuna do Mundundo...É inevitável lembrar-me do Huambo. Há muitas parecenças com a zona mais rural onde iremos intervir agora.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

O Cubal

Decidimos (a Susana, o Nuno, o Raul e eu) ir ao Cubal, um Município da Província do qual todos ouvíamos falar muito mas não tínhamos qualquer tipo de imagem…Sabíamos por onde devíamos ir mas não fazíamos ideia de como estaria a estrada…das pessoas a quem perguntámos ninguém nos sabia dizer como estaria...sabiamos que a Odebrecht está a trabalhar nessa via mas…

Decidimos que avançaríamos cerca de 1h30…depois logo decidiríamos se valeria a pena continuar ou não.

Aqui começa a nossa aventura!

Foram 300km de viagem (ida e volta)…um total de 6 surpreendentes horas por terras lindíssimas, paisagens já de Planalto até chegar ao Cubal. Depois…uma espécie de savana…terra vermelha até ao Cubal, um Município lindíssimo mas que como todos os Municípios com grandes problemas de manutenção das infra-estruturas….a cidade é muito bonita. Casas grandes, pequenas, ruas cheias de flores…Valeu a pena. Chegámos, visitámos uma escola, fizemos um piquenique em frente à Igreja (só percebemos da centralidade do local quando a missa terminou e saiu uma multidão de pessoas que ficou a olhar para nós, 4 pulas a comer sanduíches debaixo de uma árvore por causa do calor), fomos a uma casa de banho pública e regressámos a Benguela para as habituais cucas (a melhor cerveja de Angola) de fim de domingo!

Novamente as fotografias da Susana...as pilhas recarregáveis ainda "não estão a aparecer mais"...



Se há uma imagem que impressiona no Planalto são as formações rochosas...São perfeitas e parecem estar numa posição de equilibrio que ninguém explica...A pergunta "quem é que pôs lá" ou " de onde é que apareceram" surge naturalmente sem que ninguém consiga explica muito bem....





Ao longe...finalmente...o Cubal.



















terça-feira, 23 de outubro de 2007

A famosa Restinga do Lobito

Uma avenida fantástica, enorme cheia de casarões de um lado e do outro da estrada e que termina numa baía de areia que na altura do verão deve ser uma praia fantástica. Estive 3 vezes na Restinga mas o tempo não ajudou…estava frio por isso optámos por tomar um café e voltar para Benguela.

A estrada para o Lobito é uma aventura…é verdade que está melhor do que há uns tempos atrás…a MotaEngil está a reabilitar a estrada que terá 4 faixas (2 para cada lado) mas enquanto isso não acontece há uns quantos kilómetros que são feitos de coração nas mãos…não tanto só pelo mau estado da estrada mas pela condução aqui do pessoal local, sobretudo os transportes públicos (autocarros e candongueiros)…sem travões, sem luzes, sobrelotados, ultrapassagens perigosas, paragens no meio da estrada para deixar ou apanhar pessoas….

A questão que me surgiu com a reabilitação da estrada é se esta teria um separador central….já estava a imaginar as ultrapassagens na 3ª faixa….Veremos!

A famosa Restinga do Lobito:





A estrada...mais precisamente a zona da Catumbela. Do lado direito de quem vai uma imagem desértica que faz lembrar Marrocos e do lado esquerdo uma vegetação imensa...muito verde:



O Agualusa tem razão....aqui o sol não se põe...cai!

É impressionante! Até determinada altura (agora, no cacimbo) por volta das 17h45 o sol vem descendo qual bola de fogo (enorme, encarnado) e de repente…cai. Quase nem se dá por ele.

Ritualizou-se o ir ver o “cair do sol”…por não é – definitivamente- a expressão mais adequada.

Não há fotografias que mostrem a enormidade do cair do sol, mas aqui ficam algumas tentativas.




Benguela, Praia Morena...

Cidade espantosa do ponto de vista arquitectónico. O investimento foi feito mais na horizontalidade, existindo muito poucos prédios com muitos andares (ao contrário do Huambo). As avenidas são larguíssimas e enormes. A cidade é…espaçosa mas não muito grande. Atravessa-se bem a pé….Demorei algum tempo a perceber a organização da cidade porque só andava de carro (começa a haver alguns problemas de trânsito especialmente nos cruzamentos, que ainda são alguns).

O problema dos cruzamentos sente-se quando se anda de carro mas a verdade é que quando andamos a pé, demoramos sempre imenso tempo a atravessar porque as avenidas são larguíssimas e é muito difícil conseguir conciliar o movimento dos carros que vêm da esquerda e da direita…às vezes ficamos no meioJ Vale a experiência de Lisboa que ajuda!

As pessoas são…fantásticas. Há quem tenha a teoria de que o facto de ser uma cidade à beira-mar influencia na disposição de quem cá vive…Não sei se será só isso mas a hospitalidade, o acolhimento, a boa disposição estão sempre presentes. Sinto muito mais tranquilidade aqui nas pessoas do que sentia no Huambo. Até as crianças de rua me parecem diferentes…têm uma expressão…menos agressiva, diria.

Quando se passeia na Praia Morena vê-se sempre muita gente…muitos miúdos que aproveitam os intervalos das aulas e as horas de almoço para dar um mergulho e jovens que vão estudar para a praia ou então pessoas a passear.

Consegui durante a primeira semana ir ver o por do sol todos os dias à praia…um luxoJ

As fotografias da cidade que deixo não são minhas…são da Susana porque não consigo encontrar pilhas compatíveis com a minha máquina aqui…”Num tão a aparecer” é o que ouço…por isso aqui ficam as fotos da Susana do Hotel Mombaka onde ficou.











O regresso a Angola


Tinha-me comprometido, comigo, a escrever numa base regular sobre as emoções associadas a este regresso a Angola. Não imaginava que pudesse ser tão difícil…a verdade é que sinto que ainda “não me senti”...tem sido tudo uma grande correria…o projecto, as actividades, a logística…Não tenho tido grande tempo para pensar no significado deste regresso…para mim, continua a existir sintonia entre a razão e o coração e continuo a achar que fez sentido esta partida e o aceitar este novo desafio. Foram 2 anos de paragem necessários na minha relação com Angola…agora é fechar o ciclo e depois…logo se vê. (o caminho faz-se andando) Há também (e ainda) uma grande confusão de sentimentos…por um lado sinto-me em casa…há muitas coisas, muitos comportamentos, maneiras de falar, maneiras de estar que já (re)conheço…mas há variantes. Há muitas coisas novas às quais ainda não sei reagir. Verdade seja dita que a dinâmica social de Angola mudou um bocadinho nestes dois anos…as pessoas falam mais agora. Insurgem-se mais…ouço mais opiniões de rua…vejo mais críticas nos aeroportos quando temos de esperar longas horas…ouço mais críticas ao “aceita só”…isto para mim é novo. Mas gosto. Há mais telemóveis também…muitos mais carros…mais estradas asfaltadas…mais violência também…Mas o rural continua rural,… infelizmente justifica-se ainda a necessidade de intervenção em contextos menos...urbanos. Onde a rede de telemóvel não chega, a electricidade não existe, a água fica longe, o carro não vai, onde quando chove as aldeias ficam em estado de isolamento total….o nada. Zonas onde as crianças mal falam português, onde as escolas funcionam debaixo das mangueiras ou em infra-estruturas de pau a pique e onde os alunos escrevem (quando têm cadernos e lápis) em cima dos joelhos. Os professores…muitos são locais e falam português como os alunos…outros são da cidade e foram colocados em aldeias onde só conseguem chegar de mota (se não chover) e onde não existe residência ou qualquer outro tipo de apoio logístico. Aos professores é pedido que ensinem a ler, escrever e contar…sem quaiquer tipos de recursos…quadros, cadernos, manuais escolares, balanças, réguas,….É muito difícil, para quem nunca viu a sua criatividade estimulada perceber como se constroem balanças com paus e arames…ou como se treina a escrita utilizando paus pequenos e escrevendo no chão…na terra…dá muito mais trabalho e exige mais de nós. É um back to the basics que diariamente nos relembra o quanto damos por adquiridas coisas e verdades que nem sempre foram assim.



































Imagem de duas escola na Comuna do Mundundo, Município de Ucuma, Província do Huambo


O objectivo do projecto é retirar 4000 crianças do mercado de trabalho informal e prevenir que cerca de 3000 entrem nesse mercado. Nas zonas onde vamos intervir as crianças trabalham sobretudo em fazendas de ananás e de banana…do que pude perceber a cultura do ananás é a mais pesada em termos de esforço físico. Da experiência do Huambo ficou-me a imagem da fome e das condições paupérrimas em que viviam comunidades inteiras…a subnutrição não era o único problema…a carência vitamínica resultante de uma alimentação baseada sobretudo no funge condiciona também o desenvolvimento tanto físico como cognitivo…e perpetua-se esta “miséria humana” por gerações e gerações. O que me move? A relativização do conceito “miséria” e o perceber que o que me supreende brutalmente não é o que é mau (isso eu já sei que existe, já conheço, embora me desgaste mas já conto com isso) mas a persistência, a força e a crença das pessoas na vida….isso sim é supreendente. A celebração que se faz da vida (porque aqui o que é surpreendente é viver porque a morte continua a ser uma presença muito frequente). Tenho pensado muito no Huambo…mas acho que as pessoas são diferentes aqui, apesar de em alguns contextos onde o projecto irá intervir o cenário seja o mesmo…mas as cabeças são diferentes…a guerra passou aqui de outra maneira. Ainda estou em fase de observação. A minha equipa (todos angolanos à excepção do Director de Projecto que é equatoriano) tem sido incansável neste processo.

Aprendamos…