terça-feira, 23 de outubro de 2007

O regresso a Angola


Tinha-me comprometido, comigo, a escrever numa base regular sobre as emoções associadas a este regresso a Angola. Não imaginava que pudesse ser tão difícil…a verdade é que sinto que ainda “não me senti”...tem sido tudo uma grande correria…o projecto, as actividades, a logística…Não tenho tido grande tempo para pensar no significado deste regresso…para mim, continua a existir sintonia entre a razão e o coração e continuo a achar que fez sentido esta partida e o aceitar este novo desafio. Foram 2 anos de paragem necessários na minha relação com Angola…agora é fechar o ciclo e depois…logo se vê. (o caminho faz-se andando) Há também (e ainda) uma grande confusão de sentimentos…por um lado sinto-me em casa…há muitas coisas, muitos comportamentos, maneiras de falar, maneiras de estar que já (re)conheço…mas há variantes. Há muitas coisas novas às quais ainda não sei reagir. Verdade seja dita que a dinâmica social de Angola mudou um bocadinho nestes dois anos…as pessoas falam mais agora. Insurgem-se mais…ouço mais opiniões de rua…vejo mais críticas nos aeroportos quando temos de esperar longas horas…ouço mais críticas ao “aceita só”…isto para mim é novo. Mas gosto. Há mais telemóveis também…muitos mais carros…mais estradas asfaltadas…mais violência também…Mas o rural continua rural,… infelizmente justifica-se ainda a necessidade de intervenção em contextos menos...urbanos. Onde a rede de telemóvel não chega, a electricidade não existe, a água fica longe, o carro não vai, onde quando chove as aldeias ficam em estado de isolamento total….o nada. Zonas onde as crianças mal falam português, onde as escolas funcionam debaixo das mangueiras ou em infra-estruturas de pau a pique e onde os alunos escrevem (quando têm cadernos e lápis) em cima dos joelhos. Os professores…muitos são locais e falam português como os alunos…outros são da cidade e foram colocados em aldeias onde só conseguem chegar de mota (se não chover) e onde não existe residência ou qualquer outro tipo de apoio logístico. Aos professores é pedido que ensinem a ler, escrever e contar…sem quaiquer tipos de recursos…quadros, cadernos, manuais escolares, balanças, réguas,….É muito difícil, para quem nunca viu a sua criatividade estimulada perceber como se constroem balanças com paus e arames…ou como se treina a escrita utilizando paus pequenos e escrevendo no chão…na terra…dá muito mais trabalho e exige mais de nós. É um back to the basics que diariamente nos relembra o quanto damos por adquiridas coisas e verdades que nem sempre foram assim.



































Imagem de duas escola na Comuna do Mundundo, Município de Ucuma, Província do Huambo


O objectivo do projecto é retirar 4000 crianças do mercado de trabalho informal e prevenir que cerca de 3000 entrem nesse mercado. Nas zonas onde vamos intervir as crianças trabalham sobretudo em fazendas de ananás e de banana…do que pude perceber a cultura do ananás é a mais pesada em termos de esforço físico. Da experiência do Huambo ficou-me a imagem da fome e das condições paupérrimas em que viviam comunidades inteiras…a subnutrição não era o único problema…a carência vitamínica resultante de uma alimentação baseada sobretudo no funge condiciona também o desenvolvimento tanto físico como cognitivo…e perpetua-se esta “miséria humana” por gerações e gerações. O que me move? A relativização do conceito “miséria” e o perceber que o que me supreende brutalmente não é o que é mau (isso eu já sei que existe, já conheço, embora me desgaste mas já conto com isso) mas a persistência, a força e a crença das pessoas na vida….isso sim é supreendente. A celebração que se faz da vida (porque aqui o que é surpreendente é viver porque a morte continua a ser uma presença muito frequente). Tenho pensado muito no Huambo…mas acho que as pessoas são diferentes aqui, apesar de em alguns contextos onde o projecto irá intervir o cenário seja o mesmo…mas as cabeças são diferentes…a guerra passou aqui de outra maneira. Ainda estou em fase de observação. A minha equipa (todos angolanos à excepção do Director de Projecto que é equatoriano) tem sido incansável neste processo.

Aprendamos…

Um comentário:

Unknown disse...

Também se regressa assim...!

Gostei muito.

Bjs

Mummy